Nesta edição fazemos um balanço do ano que finda, o que representou para a União Europeia e as perspectivas para 2025. Para nos ajudar, o nosso convidado é Henrique Burnay. Ex-assessor político e ex-jornalista. Professor universitário, actualmente lidera a EUpportunity, consultoria portuguesa em assuntos europeus na capital belga. Escreve regularmente em jornais portugueses sobre política europeia e internacional. Henrique Burnay, perito de assuntos europeus, começa por fazer o balanço deste ano de 2024 que agora termina.A primeira coisa é que foi um ano demorado. Nós tivemos eleições [europeias] em junho e só tivemos Comissão Europeia e presidente do Conselho Europeu em dezembro, e foi porque tudo correu bem. Se alguma coisa se tivesse atrasado, seria mais tarde. A primeira coisa de que a União Europeia tem que ter noção é que o nosso ciclo político tem que ser mais rápido porque a verdade é que a Comissão Europeia deixou de apresentar propostas políticas, legislativas, no final de 2023. Portanto, nós estamos há um ano parados. Segundo: estamos num tempo completamente em transformação. Se há uma coisa que eu acho que é evidente para todos nós é que estamos a assistir a uma transformação do mundo. Nós sabemos que estes anos vão aparecer nos livros de história. Parece-me que os europeus e as lideranças europeias perceberam isso. Acabou o mundo que começou no pós-guerra fria em que nós confiávamos que o comércio era a fonte da paz e da prosperidade. Não só já não se acredita nisto como alguns dos atores principais pensam de maneira diferente. Os Estados Unidos acham que a globalização já não é a fonte da prosperidade. A China, ao contrário, ainda quer globalização mas numa lógica diferente da que sempre teve, de tirar partido mas não de uma forma equilibrada. E a União Europeia está a reaprender o seu lugar. Portanto, foi um ano altamente transformador.Justamente, em relação à União Europeia, as três instituições comunitárias - Comissão, Conselho e Parlamento - estão agora bastante mais à direita. De que forma é que isso se vai reflectir nas iniciativas e nas políticas da União Europeia? Para dizermos isso é preciso dizer porque é que elas estão [mais à direita], perceber como é que elas são compostas. O Conselho está mais à direita porque os governos nacionais estão mais à direita. Há uma nota que é muito importante perceber e eu acho que é preocupante: neste momento só há cinco governos na Europa liderados pelos socialistas. Em breve serão quatro porque a Alemanha deixará de o ser muito provavelmente. Isto quer dizer que os socialistas europeus que tinham um peso enorme na Europa, que representavam no fundo a outra metade - a Europa em que nós vivemos foi construída pelos democratas cristãos e pelos socialistas - a metade socialista neste momento não governa os países principais, exceção feita da Alemanha, por enquanto, e Espanha onde há um governo socialista bastante mais à esquerda do que a maioria dos socialistas europeus. Ponto um. Mas o reverso da medalha não é o PPE que lidera porque, se olharmos, o PPE não lidera na Alemanha, poderá vir a liderar mas neste momento não. Não lidera em Espanha, talvez aconteça mas não lidera. Não lidera em França, nem é provável que venha a acontecer. Não está na Itália nem nos Países Baixos. Portanto, não é o PPE que apesar de ter o maior número de governos na Europa não governa nos países que são decisivos. Ou seja, neste momento nem o motor franco-alemão funciona nem o motor social democrata/socialista-democrata cristão/conservador funciona. Isto explica o que perguntou: o que se passa com esta viragem à direita? Há mais governos mais à direita, quer dizer que os comissários que eles mandam para a Comissão vêm desses partidos - normalmente os governos mandam alguém do partido do governo. E depois temos um novo problema no Parlamento Europeu. Já não se consegue fazer maiorias no Parlamento Europeu sem o Partido Popular Europeu. E isto levanta para mim um problema muito complicado porque permite ao PPE ora navegar à direita ora à esquerda. Isso pode fazer com que os socialistas não se sintam parte da coligação de governação tal como nos últimos 80 anos, mas sim que comecem a pensar que estão na oposição porque não estão na maioria dos governos no Conselho Europeu, não têm o maior número de comissários e não estão em boa relação com o PPE, [e pensem que] se calhar são oposição. E a pior coisa que poderia acontecer à Europa era, de repente, Bruxelas não representar aquela maioria muito ampla, e às vezes um pouco excessivamente consensual, mas que faz que as políticas europeias sejam implementadas tanto em países mais esquerda ou mais à direita, e termos uma situação em que parte da Europa não se sente representada pelas políticas europeias. Acho isso preocupante e só pode ser resolvido se a maioria ...